A partir de meados de 2024, fórmulas de desenvolvimento pessoal baseadas em “energia feminina” e “energia masculina” viralizaram no TikTok, acumulando milhões de visualizações em poucas semanas. Coaches de relacionamento, bem‑estar e até negócios passaram a oferecer cursos e mentorias para ensinar mulheres a atingir o “máximo da feminilidade” — prometendo sucesso financeiro, famílias ideais e o amor de homens comprometidos.
As discussões sobre “energia feminina” na internet
Nas hashtags mais populares, é comum encontrar chamadas como “você não prospera porque falta feminilidade” ou “mulheres com energia masculina não atraem bons parceiros”. Em grande parte dos conteúdos, a modernidade é apontada como vilã: “o feminismo teria desviado as mulheres de seu verdadeiro propósito”, afirmam criadoras de conteúdo, sem oferecer qualquer respaldo histórico ou científico.
Afinal, como surgiu?
Embora pareça uma tendência recente, a noção de energias opostas remonta ao Taoísmo, com a dualidade Yin‑Yang, e à psicologia de Carl Jung, para quem todos carregam as duas forças internas, mas as expressam em graus distintos. Com o tempo, essas ideias foram simplificadas e misturadas a referências cristãs, modismos de moda e valores conservadores. No desenho atual, porém, a mensagem é cristalina: “homens são naturalmente ativos e dominantes; mulheres devem ser passivas e receptivas”.
O cerne do discurso defende que a verdadeira feminilidade exige subordinação. Mulheres são instruídas a adotar posturas dóceis, voz baixa e roupas modestas sob a justificativa de que assim se sentirão “amadas, cuidadas e protegidas”. Esse apelo à submissão não só ignora as conquistas de igualdade de gênero, mas propõe um retorno a funções domésticas e maternas como única forma de realização.
Determinismo biológico e retrocesso disfarçado de tradição
Em muitos vídeos, o alto valor colocado na fertilidade reforça a ideia de que mulheres cis devem priorizar a maternidade e o lar, relegando carreiras e ambições pessoais. “É uma abordagem que desconsidera completamente os avanços sociais”, observa a pesquisadora de gênero Marina Almeida. Segundo ela, “tratar sobrecarga de trabalho e tarefas domésticas como responsabilidades naturais das mulheres é um retrocesso perigoso”.
Esse discurso não é apenas ideológico, mas também comercial. Cursos, e‑books e atendimentos individuais em plataformas digitais movimentam cifras que podem ultrapassar R$ 10 mil por turma. A promessa de “reconectar-se com sua essência feminina” alimenta um ciclo de consumo que mascara problemas estruturais como machismo e divisão desigual de trabalho doméstico.
Uma agenda conservadora?
O que está escondido por trás dos discursos dessas trends é uma agenda conservadora que explora fragilidades emocionais. Ao culpar a modernidade e o feminismo pelas dificuldades das mulheres, essa retórica busca desmobilizar lutas por igualdade. “
Enquanto “energia feminina” segue em alta nos feeds, mulheres precisam estar atentas às narrativas que encobrem regulação de papéis de gênero como solução para desafios reais. Mais do que modismos, essas tendências revelam tensões sobre autonomia, identidade e a batalha por direitos que não podem ser negociados.