Acredite você ou não, nem todo mundo consegue diferenciar a verdade e a mentira na internet

Notas da comunidade e a verdade como uma questão de opinião

A grande promessa das “notas da comunidade” surgiu quando o Twitter (agora X) abandonou a moderação profissional e depositou sua fé na capacidade dos usuários de sinalizar conteúdos falsos. Em teoria, essa solução participativa parecia fortalecer a democracia digital: “quem melhor para apontar a desinformação do que os próprios usuários?” Contudo, especialistas alertam que confiar na “sabedoria das multidões” em um ambiente polarizado pode agravar o problema, em vez de resolvê‑lo.

Como saber se o que você leu é real?

A confiança automática em tudo o que chega pelo feed ignora o fato de que checagem exige método e paciência. Ao dispensar profissionais treinados, as plataformas apostam na emergência espontânea da verdade por meio de curtidas, comentários e denúncias — uma dinâmica que não garante rigor, mas sim rapidez. 

Para Tai Nalon, diretora executiva no Aos Fatos, “houve uma mudança de cultura nas plataformas que privilegia personalidades e indivíduos em detrimento de instituições. As credenciais consolidadas no passado, como a marca e a confiabilidade, deixaram de ser determinantes para o consumo de notícias.” Ela lembra que veículos jornalísticos sérios mobilizam equipes e processos de verificação antes da publicação, mas enfrentam dificuldade para competir com narrativas que circulam livremente, sem nenhuma checagem prévia.

Quem define o que é verdade?

O modelo colaborativo das “notas da comunidade” parte da premissa de que a soma de julgamentos individuais atingirá maior precisão. Entretanto, estudos indicam que “as dinâmicas de grupo nas redes sociais muitas vezes amplificam vieses cognitivos em vez de reduzi-los”. Um levantamento da Universidade de Washington revela que 36 % dos usuários da geração Z relatam dificuldade em distinguir fatos de opinião. Em bolhas informacionais, a imposição de uma crença falsa pode ocorrer rapidamente, criando microssistemas de desinformação autossustentados.

O impacto das imagens geradas por IA: é tudo fake?

A proliferação de ferramentas como MidJourney e DALL·E intensificou o desafio da verificação visual. Em 2024, montagens hiper‑realistas de celebridades em situações comprometedores se espalharam com tal realismo que até grandes veículos vacilaram. Pesquisa do Pew Research Center indica que 63 % dos americanos declaram dificuldade em reconhecer se uma imagem é real ou fruto de inteligência artificial. Quando até a prova fotográfica pode ser fabricada, a checagem textual enfrenta um patamar de complexidade antes inimaginável.

Notas da comunidade são suficientes?

Transferir a responsabilidade pela qualidade da informação para usuários não treinados acentua o risco de ciclos de correção improvisada. A maior parte dos “colaboradores” atua em nichos com fortes vieses, agravando o desequilíbrio entre acusações infundadas e correções pontuais. Sem um programa abrangente de educação midiática, a moderação comunitária tende a gerar um ciclo de “corrige aqui, erra ali”, sem solução definitiva.

Checagem contínua em vez de picos de crise

“Não basta priorizar a checagem apenas durante eleições ou grandes eventos”, alerta Tai Nalon. “É necessário um esforço permanente, com políticas públicas que regulem o uso de propriedade intelectual jornalística e freiem práticas predatórias de IA que replicam conteúdo sem autorização.” Somente uma combinação de legislação, investimento e transparência algorítmica poderá construir um ambiente digital mais confiável.

O jornalismo e seus defensores

Em situações críticas, como pandemias ou desastres naturais, a importância de informações precisas se torna evidente. Segundo Nalon, “o jornalismo precisa de defensores dispostos a reconhecer o valor de sua existência e a apoiar a produção de notícias de qualidade.” Embora o alcance das organizações tradicionais seja limitado nas redes, sua credibilidade é insubstituível para orientar decisões coletivas e manter o debate público fundamentado em fatos.

A tarefa de distinguir verdade de mentira em um ambiente altamente tecnológico e polarizado dependerá de um pacto entre plataformas, poder público e sociedade civil. Notas da comunidade podem complementar, mas jamais substituir processos jornalísticos sólidos e usuários capacitados. Apenas assim a internet poderá se aproximar de um espaço onde o fato prevaleça sobre a opinião.

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