Como fazer as ovelhas não votarem mais nos lobos?

O que faz com que pessoas pobres, imigrantes, mulheres ou outras minorias votem em quem fala contra elas: um guia para 2025

Em ano eleitoral, impressiona a frequência com que parcelas historicamente vulneráveis — pessoas de baixa renda, imigrantes, mulheres e LGBTQIAP+ — apoiam candidatos que atacam diretamente seus direitos. Longe de ser uma simples contradição individual, trata‑se de uma engenharia política global, alimentada por algoritmos, mídia e um enfraquecimento do senso de coletividade.

Por que quem mais sofre é quem sustenta a narrativa?

Não se trata apenas de escolhas pessoais, mas de um mecanismo que transforma expectativa em voto. Grupos que deveriam disputar políticas públicas inclusivas acabam sustentando narrativas contrárias aos seus interesses. Em grande escala, esse fenômeno reflete uma arquitetura de poder: programas de segmentação e retórica polarizadora constroem um inimigo comum, ao mesmo tempo em que exploram medos e inseguranças para consolidar um eleitorado fiel.

O algoritmo é neutro?

A crença em uma internet imparcial desmorona quando se descobre que cada curtida, cada “não interessado” e cada tempo de visualização alimentam um motor de recomendações. “Algoritmos não são neutros”, adverte um pesquisador do setor, explicando que essas ferramentas são calibradas não para informar, mas para maximizar engajamento e lucro. O resultado são bolhas informacionais que reforçam convicções pré‑existentes e isolam comunidades do debate público.

Um estudo da Mozilla Foundation publicado em 2022

Em relatório que analisou as recomendações do YouTube, a Mozilla identificou que o algoritmo era 71% mais propenso a sugerir conteúdo conspiracionista e polarizador para usuários já inclinados ao extremismo. A lógica — simples e perversa — sugere que quanto mais engajamento, mais anúncios veiculados, mais receita gerada. No entanto, esse modelo converte bolhas em fortalezas e impede o confronto de ideias opostas, acelerando processos de radicalização.

Mas como isso impacta eleições, por exemplo?

Quando plataformas mantêm eleitores confinados a narrativas unilaterais, cria-se a impressão de unanimidade ou de maioria esmagadora. Em comunidades com menor acesso à educação política, essa ilusão influencia diretamente as intenções de voto, corroendo a confiança em informações contraditórias e tornando mais difícil o questionamento de propostas prejudiciais.

O que aconteceu com a identidade coletiva?

A fragmentação social, impulsionada por discursos meritocráticos e individualistas, mina antigas bases de mobilização. Ao longo do século XX, movimentos sindicais, feministas e de direitos civis conquistaram avanços reunindo vozes em torno de pautas compartilhadas. Hoje, o mantra do “empreendedor de si mesmo” ou do “consumidor autônomo” substituiu a noção de luta coletiva, fragilizando a capacidade de resistência política dos grupos mais vulneráveis.

Quem paga mais decide para onde o rebanho vai

A competição por atenção não ocorre apenas nas urnas, mas nas palavras‑chave compradas em mecanismos de busca e nos anúncios patrocinados. Nos últimos quatro anos, um dos maiores canais de extrema‑direita no Brasil investiu cerca de R$ 25 milhões em publicidade no Instagram e Facebook. Essa estratégia não é aleatória: segmenta indecisos e públicos suscetíveis, aproveitando brechas regulatórias para ocupar espaços digitais de maneira estratégica. Enquanto isso, as plataformas — lucrando com cada clique — perpetuam o ciclo da desinformação.

Existe solução?

Especialistas apontam que é preciso combinar regulação mais rigorosa das plataformas com educação midiática desde a infância. O Global Media Literacy Index de 2021 mostra que países como Finlândia e Noruega se destacam na resistência à desinformação graças a currículos escolares que ensinam a identificar viés, checar fontes e reconhecer manipulações. No Brasil, iniciativas semelhantes ainda engatinham, mas provam ser fundamentais para reconstruir um senso de pertencimento coletivo.

Um esforço integrado de legislação, transparência algorítmica e formação cidadã pode reverter a lógica que mantém “ovelhas” votando em “lobos”. Só quando públicos vulneráveis recuperarem a consciência de grupo será possível garantir que suas vozes sirvam a políticas compatíveis com seus direitos e necessidades.

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