A internet quer ensinar seu filho a odiar mulheres

De vídeos de “humor” a discursos de ódio: como a misoginia se disfarça nas redes sociais e recruta meninos cada vez mais cedo

Se você convive com adolescentes ou tem filhos homens, talvez já tenha sentido um incômodo com os rumos que o conteúdo da internet vem tomando. Não é só impressão. Hoje, um menino de 13 anos sem qualquer supervisão digital tem grande chance de crescer misógino. Mas como isso acontece — e o que podemos fazer?

A timeline que é entregue para meninos

Fizemos um experimento simples: criamos uma conta nova no TikTok, simulando o perfil de um garoto de 16 anos. Selecionamos categorias aparentemente inofensivas como humor, vida fitness, esportes e motivação. Em poucos minutos, a plataforma — que chama sua aba principal de “For You” — começou a exibir vídeos com piadas sobre feminicídio e discursos de ódio de gênero. Logo depois, o conteúdo motivacional deu lugar a vídeos exaltando violência policial e agressividade como sinal de força.

Essa radicalização rápida não é exceção. É o resultado de uma lógica perversa que mistura algoritmos otimizados para engajamento com uma estética jovem, aparentemente inofensiva, mas carregada de mensagens misóginas e violentas.

O funil da misoginia online

Conteúdos machistas e misóginos seguem uma estrutura em funil: começam de forma sutil, com memes e trends virais, e vão ficando cada vez mais explícitos. No topo, tudo parece inofensivo — vídeos engraçados, frases “sinceronas”, conselhos de “irmão mais velho”. Mas, à medida que o adolescente consome esse material, o algoritmo entrega versões mais radicais, com discursos de ódio às mulheres e incentivos à violência.

Essa estrutura torna difícil identificar o problema logo de cara. Os vídeos se misturam com conteúdos de humor e estilo de vida, passando batido pelos olhos de quem não está atento — inclusive os próprios meninos.

O papel do algoritmo na radicalização de meninos

Por que o TikTok e outras plataformas entregam esse tipo de conteúdo tão rápido? A resposta está nos próprios algoritmos, programados para manter a atenção do usuário pelo maior tempo possível. E conteúdos polarizadores — como piadas ofensivas, ideias conspiratórias ou discursos extremistas — geram mais comentários, curtidas e compartilhamentos.

A partir do momento que um menino interage com um desses vídeos, o algoritmo entende que ele quer ver mais. E assim se forma uma espiral de reforço, na qual o conteúdo se torna cada vez mais radical — sem que ninguém perceba o quanto isso está afetando a forma como ele enxerga as mulheres.

Por que esses conteúdos atraem tanto?

A linguagem desses vídeos é construída para ser irresistível para adolescentes. Eles oferecem senso de pertencimento e simplificam questões complexas. Em um momento da vida marcado por inseguranças, dúvidas sobre autoestima e construção de identidade, esses discursos aparecem como um “caminho” para se sentir forte, confiante e parte de um grupo.

Mais do que isso, esses conteúdos oferecem respostas fáceis para sentimentos difíceis: rejeição, frustração, vergonha. Ao invés de ensinar como lidar com isso, os criadores dessas narrativas colocam a culpa em um “inimigo comum” — geralmente, as mulheres. E assim, o ciclo de ódio se alimenta.

Como combater essa influência?

Educar meninos que não odeiam mulheres começa por entender que isso não é papel só das mães. Pais, avôs, tios, irmãos mais velhos, professores e escolas precisam participar dessa conversa. É essencial iniciar esse diálogo na adolescência — justamente o momento em que os meninos começam a se distanciar da infância e a buscar novos modelos de masculinidade.

Falar sobre sentimentos, inseguranças, sexualidade e autoestima deve ser parte do cotidiano. Quando esses temas são ignorados, é a internet que se torna educadora — e nem sempre com boas intenções.

Supervisão digital sem invasão de privacidade

Como acompanhar o que um adolescente vê nas redes sem invadir a privacidade dele? A resposta está no equilíbrio. Ferramentas de controle parental podem ajudar, mas nada substitui o diálogo. O ideal é criar uma relação de confiança onde falar sobre pornografia, redes sociais, masculinidade e violência não seja tabu.

É importante estabelecer limites claros e incentivar um uso crítico da internet. Meninos não precisam ser vigiados o tempo todo — precisam ser escutados, acolhidos e orientados a pensar por conta própria.

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