A pilha de dinheiro que separa seu filho do influenciador mirim que ele segue

Como a exposição a “mini influencers” alimenta expectativas inalcançáveis e pressões de consumo infantil

A cena se repete em muitos lares: pacotes de brinquedos espalhados pelo chão, quartos reformados, viagens internacionais documentadas em redes sociais — tudo isso mostrado por influenciadores mirins cuja vida parece um verdadeiro conto de fadas. Recebidinhos e prêmios distribuídos por marcas tornam-se, para crianças, a norma a ser imitada, mas representam apenas a ponta de um mercado bilionário que escapa ao olhar dos pequenos.

Este conteúdo é uma parceria entre Contente e Instituto Alana.

Os novos “super‑heróis”?

Para muitas crianças, influenciadores — especialmente os mirins — são vistos como heróis modernos. Com apresentadores que recebem produtos “de graça”, participam de viagens incríveis e ostentam fama precoce, eles sustentam a ilusão de que qualquer sonho está ao alcance. Na realidade, esses perfis fazem parte de uma indústria publicitária cuidadosamente orquestrada, que mobiliza marcas e agências para criar narrativas de sucesso acessível apenas a quem participa desse circuito.

A comparação e o ciclo do “quero mais”

Quando as crianças assistem a esses vídeos, nasce o impulso de replicar aquele estilo de vida. Um estudo da Common Sense Media mostrou que crianças expostas a influenciadores têm maior probabilidade de desejar — e muitas vezes receber — os brinquedos, roupas e experiências promovidos online. Essa dinâmica alimenta um consumismo exacerbado em famílias que, na prática, não têm condições de acompanhar o ritmo de aquisição apresentado nas telas.

“As referências midiáticas se tornam a paisagem da infância…”

Elisa Lunardi, educadora e idealizadora do movimento Infância sem Excesso, alerta para o impacto disso no desenvolvimento:

"As referências midiáticas se tornam a paisagem da infância, um arsenal de ‘tem quês’. Esses impactos endurecem o cotidiano, encobrem as infâncias e inviabilizam o que é necessário para o desenvolvimento das potencialidades. Eu sempre fico pensando: onde fica o ser criança nesse emaranhado? O marketing digital afeta as crianças de forma mais incisiva porque elas são da repetição, da imitação, do faz de conta – é assim que aprendem e são. Mas o que elas têm imitado? A repetição da marca, da grife, da identidade afincada no ter. Isso rompe com o genuíno, com o próprio das infâncias, e gera impactos graves como consumismo exacerbado, por exemplo. Tudo isso vem sempre embalado pela lógica do ter acima do ser."
Elisa Lunardi

Influenciadores mirins são exceção, não regra

Por trás da câmera, existe uma máquina de marketing infantil em expansão: segundo a Market Research Future, o mercado global de marketing voltado para crianças deve alcançar US$ 21 bilhões até 2026, com grande parte desse volume movimentado por mini influencers. Essa estrutura, porém, permanece invisível aos pequenos espectadores, que veem apenas a superfície de um estilo de vida extraordinário e acabam moldando suas expectativas a partir de uma realidade inatingível.

Quando o “não” vira conversa necessária

Limitar o tempo de tela e definir regras de consumo requer persistência e acolhimento. Como explica Maya Eigenmann, neuropedagoga e educadora parental,

"Sustentar o limite e saber que as crianças não vão conseguir ter autonomia de controlar o tempo de tela e nem discernir o que devem ou não consumir. Vamos precisar conduzir, acompanhar, limitar. Inclusive, a criança pode não gostar do limite e está tudo bem. Ela não é obrigada a gostar, mas somos os guias e os responsáveis por essas crianças. Vamos precisar sustentar esse limite para a saúde delas. Então, vem uma grande dificuldade: não temos paciência de sustentar o limite, achamos que tem que falar uma vez e a criança tem que obedecer. Mas isso não é educação. Isso é adestramento. Precisamos desenvolver essa habilidade de colocar o limite e acolher o que a criança está sentindo, da frustração de ter que desligar a tela, ao mesmo tempo que a gente mantém e segura esse limite por uma questão de saúde da criança."
Maya Eigenmann

O que fazer a partir daqui?

Elisa Lunardi lembra que mudanças simples podem transformar a experiência cotidiana:

"As ações miudinhas, aquelas que cabem na palma da mão, podem transformar o presente. Fazer uma limpa dos excessos, repensar hábitos e desautomatizar comportamentos — essas são formas de deslocar o olhar das crianças e dos adultos. É sobre educar os sentidos: deixar a criança olhar para as entrelinhas, os vazios, a profundidade. Priorizar o acesso, não a posse; valorizar o um, a unidade; ajudar a criança a questionar e a ver que o que está à sua volta nem sempre é normal. Quando a criança inventa, é fundamental deixar espaço para essas invenções, valorizando o que vem de dentro de si e descolando das formas vendidas pela sociedade de consumo."
Maya Eigenmann

Bem‑vindo de volta, tijolão

Além de estabelecer limites, é possível oferecer alternativas práticas de comunicação. De acordo com Maya Eigenmann,

"Se a gente está falando de um uso inevitável de telas por uma questão de comunicação, por exemplo, para crianças mais velhas, existem alternativas práticas — além, claro, da conversa sobre limites e tempo. Uma boa ideia são celulares mais simples, como os ‘tijolões’ que limitam estímulos e redes sociais, mas permitem comunicação básica, como no WhatsApp. Para crianças sem celular, evite dar o próprio aparelho: prefira desenhos na TV, com maior distância dos olhos, e priorize vídeos longos, filtrados por plataformas como YouTube Kids. É essencial estabelecer uma cultura sem telas à disposição constante. Quando chegar o momento, um celular simples, mais barato e menos invasivo, pode ser uma solução adequada e acessível."
Maya Eigenmann

Influenciadores mirins seguirão ativos nos feeds, mas cabe a adultos e educadores construir um ambiente em que o ter não ofusque o ser, e em que a infância seja vivida entre a imaginação e o afeto — não sob o peso de uma pilha de presentes.

#ainfânciaqueagentequer

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