Quem são as mulheres heterossexuais que preferem ficar sem transar do que ficar com homens como eles estão?
Você, mulher heterossexual que está lendo este conteúdo, responde uma coisa: você faria um celibato voluntário e intencional por estar decepcionada com o comportamento dos homens? Ou para focar mais em você mesma? Ou para dar um tempo nas relações íntimas? Cada vez mais mulheres estão adotando essa prática — e as justificativas variam desde as mais progressistas até as mais conservadoras.
Nos últimos meses, uma onda de conteúdos tem dominado as redes sociais: “Estou há 1 ano sem sair com homens”, “Aniversário de 6 meses sem sexo”, “Como comecei meu celibato?” são alguns dos temas recorrentes. Embora muitas compartilhem motivações semelhantes, como a ideia de tirar os homens e o sexo do centro de suas vidas, essa pauta segue dois caminhos distintos.
De um lado, estão as mulheres que, influenciadas pela ideia de casamento, pela vida tradicional de esposas na internet e pela febre das séries de k‑drama, querem se resguardar e esperar “o homem certo”. De outro, há aquelas que se recusam a sair ou a se envolver com homens que parecem cada vez mais machistas, conservadores e apegados a modelos “falidos” de relacionamento.
Mas isso já não tinha um nome? O “boy sober” e a ideia de detox de homens? Até tinha, mas o movimento de celibato é um pouco mais radical. Vale salientar também que essa é uma dinâmica muito centrada em pessoas cis‑hétero, ou seja, é uma discussão que, em grande parte, não aborda as vivências de pessoas trans ou outras sexualidades.
A onda do celibato voluntário
O que leva mulheres adultas a optarem por uma vida sem relações sexuais? Depois do movimento “boy sober”, que propõe uma pausa nas relações afetivas com homens, as redes sociais estão agora repletas de depoimentos, memes e vídeos com “pov’s” (abreviação de “point of view”) de mulheres que optam pelo “celibato voluntário”. Esse novo fenômeno é composto por mulheres heterossexuais que, por múltiplas razões, decidem se afastar de qualquer relação sexual com homens. É mais que simplesmente “não transar”; trata‑se de criar um espaço de negação da masculinidade como ela se apresenta. Mas o que esse movimento revela sobre as relações de gênero e a expectativa em torno da sexualidade feminina?
Em números nas redes sociais
O crescimento do movimento do celibato voluntário tem sido amplamente visível nas redes sociais. Só no TikTok, hashtags como #celibato, #celibatofeminino e #celibatovoluntário acumulam milhões de visualizações. Uma simples busca na plataforma revela vídeos com milhões de visualizações e milhares de interações, mostrando a popularidade do tema entre mulheres de várias idades.
No YouTube, o cenário não é diferente. Segundo o Google Trends, as buscas por “celibato voluntário” aumentaram em 2.300 % nos últimos 12 meses no Brasil. Já o termo “celibato feminino” apresentou um crescimento de 40 %. Esses números refletem não apenas o aumento do interesse no movimento, mas também a amplificação do debate sobre o que significa ser mulher em um contexto em que, para muitas, o sexo já não é mais uma prioridade.
É mais que um detox
O “boy sober”, que ganhou popularidade como uma forma temporária de “limpeza” emocional após longos relacionamentos, tinha uma proposta limitada: parar por um tempo para se recuperar de relacionamentos complicados. O celibato voluntário, por outro lado, carrega um sentido mais profundo e duradouro. Embora o “boy sober” tivesse um certo viés político, a maioria das adeptas buscava um período de pausa com o objetivo de um eventual retorno às relações. Já o movimento de celibato voluntário é, em sua essência, mais politizado e moralmente carregado. As mulheres que fazem parte desse movimento não colocam um prazo para voltar a transar, por exemplo. Elas estabelecem uma pausa no sexo que pode durar até que sintam que encontraram alguém com quem vale a pena retomar essa dimensão de suas vidas.
É um movimento conservador? Não necessariamente, mas…
Uma das influências notáveis nos relatos de mulheres que aderem ao movimento de celibato voluntário é a popularidade dos doramas. Para quem não está familiarizado, doramas são dramas televisivos, geralmente de origem sul‑coreana, que apresentam narrativas centradas em histórias românticas, com personagens masculinos retratados como príncipes perfeitos ou herdeiros poderosos. As mulheres que assistem a essas produções relatam um novo parâmetro de expectativas para as relações afetivas, muitas vezes influenciado pela delicadeza, gentileza e idealização dos personagens. Em um vídeo que viralizou no TikTok, uma mulher brinca: “Como eu vou aceitar pouco depois que virei dorameira?”.
O que chama a atenção é como essa narrativa romântica dos doramas parece se alinhar com uma nova onda de conservadorismo entre jovens cristãos.
Muitas das jovens que se identificam com o celibato voluntário relatam que o modelo de relacionamentos “recatados”, presentes nas histórias de doramas, ecoa suas próprias experiências.
Lado B: o feminismo e o componente político
O celibato voluntário também se conecta com uma nova onda de feminismo, onde a recusa em manter relações com homens vai além de questões pessoais e entra no campo político. Muitas mulheres veem essa escolha como uma forma de resistência ao machismo e à pressão social para que o sexo seja uma parte central de suas vidas. O movimento 4B, na Coreia do Sul, é um exemplo claro desse fenômeno. As adeptas do 4B (ou “Four No’s”) rejeitam quatro pilares da vida heteronormativa: namoro, casamento, sexo e ter filhos. Esse movimento é uma resposta direta às expectativas patriarcais da sociedade coreana, que tradicionalmente vê a mulher como uma figura submissa e dependente do homem.