Crescidos no feed do ódio: como meninos de 13 anos são capturados pela misoginia on‑line

Um experimento no TikTok mostra que bastam poucos minutos para conteúdos de humor “inocente” virarem piadas de feminicídio — e revela o funil algorítmico que transforma curiosidade em radicalização.

Se você fosse um menino de 13 anos sem supervisão na internet, provavelmente cresceria misógino

Meninos passam horas diárias em redes sociais, fóruns de games e grupos fechados — espaços onde a masculinidade costuma ser medida por bravatas, desafios e memes de mau gosto. Nesse ambiente, a linha que separa piada de ódio é tão tênue que, muitas vezes, eles mal percebem quando atravessam o limite. Sem adultos por perto para contextualizar o que veem, garotos de 13 ou 14 anos acabam misturando humor com insultos a mulheres, naturalizando a misoginia como parte do vocabulário cotidiano. O resultado? Adolescentes que chegam à vida adulta carregando crenças hostis a mulheres e meninas, convencidos de que “é só brincadeira” — mesmo quando a brincadeira incentiva violência.

A timeline que é entregue para meninos

(Assista ao clipe “Esse é o tipo de conteúdo que chega a um garoto de 16 anos no TikTok”)

Para entender a dinâmica, simulamos uma conta de garoto de 16 anos. Na etapa de interesses, marcamos apenas humor, lifestyle, vida fitness, esportes e motivação — categorias aparentemente neutras. Mesmo assim, em menos de dez minutos de rolagem no “For You”, começaram a pipocar vídeos que faziam piada com feminicídio e ridicularizavam mulheres. Sem seguir ninguém, o feed já misturava conselhos de luta, discursos sobre “virilidade” e clipes de “motivação” que exaltavam agressividade como solução para frustrações cotidianas. O caminho até o conteúdo misógino é curto — e não exige busca ativa: ele aparece como parte do pacote de entretenimento.

Por que isso acontece?

Os produtores de ódio constroem um funil. No topo, memes e trends de humor que zombam de “mulher moderna” ou ironizam pautas feministas; são leves o bastante para escapar de filtros e conquistar curtidas. Quanto mais o adolescente consome, mais o algoritmo entende que esse tema “funciona” — e oferece versões cada vez mais explícitas, como piadas sobre violência ou teorias de supremacia masculina. Em poucos cliques, o usuário desce a ladeira para criadores que defendem abertamente o controle sobre mulheres ou culpabilizam vítimas de agressão. O funil se autoalimenta: mais cliques, mais alcance, mais criadores tentando repetir a fórmula.

Por que o algoritmo entrega tanto?

Plataformas são desenhadas para maximizar tempo de tela. Vídeos polarizadores geram cadeia de comentários, duelos nos duos e compartilhamentos indignados — todos valem como “engajamento” para a inteligência artificial. Quando um clipe ofensivo dispara interações, o sistema deduz que é “relevante” e passa a mostr‑lo a outros perfis semelhantes, mesmo que esses usuários jamais tenham buscado o tema. Dessa forma, o algoritmo transforma o choque em combustível e cria um espiral de recomendação que aprofunda o contato do adolescente com a misoginia.

Por que atrai tanto?

Esses criadores falam a língua da insegurança masculina. Oferecem uma explicação simples para frustrações escolares, falta de aceitação ou rejeição amorosa: a culpa é das mulheres ou do feminismo. Ao mesmo tempo, prometem pertencimento imediato a uma comunidade que ri das mesmas piadas e compartilha o mesmo rancor. Com isso, convertem emoções difusas — vergonha, timidez, medo de fracassar — em um pacote de identidade que parece empoderar o garoto: basta adotar o discurso do grupo para “ser parte”. É um atalho tentador para quem ainda está formando autoestima.

Como podemos combater essa influência?

A tarefa não é só das mães — pais, tios, professores e outros homens de referência precisam entrar na conversa. Falar de masculinidade saudável logo no início da adolescência, antes que o funil algorítmico se feche, ajuda meninos a reconhecerem discursos de ódio. Escolas podem incluir debates sobre gênero e cidadania digital, enquanto o poder público discute regras de segurança on‑line e fiscalização de plataformas. É um trabalho coletivo que exige exemplos positivos de respeito às mulheres dentro e fora da internet.

Como monitorar o consumo de mídia dos jovens sem invadir a privacidade?

Ferramentas de controle parental servem como barreira inicial, mas diálogo constante é o maior antídoto. Perguntar o que os meninos assistem, comentar notícias sobre violência de gênero, discutir pornografia e inseguranças corporais normaliza conversas difíceis e mostra que adultos são aliados, não vigilantes. Estabelecer horários fora das telas, combinar que certos conteúdos serão vistos juntos e criar rituais familiares (ler, praticar esporte, cozinhar) oferecem contrapontos ao fluxo ininterrupto do feed. Supervisão equilibrada não significa espionagem: é construir confiança para que, quando o vídeo tóxico aparecer, o menino se sinta à vontade para perguntar — e ouvir que violência não é piada.

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