Estamos assistindo ao “empobrecimento” de profissões tradicionais?
Taxas de desemprego em queda costumam ser associadas a prosperidade, mas a fotografia de 2024 revela outro cenário: profissionais formados em direito, medicina ou engenharia relatam perda de renda e migração crescente para atividades paralelas. Em outubro, o IBGE registrou apenas 6,4 % de desocupação — segunda menor marca desde 2012. Ainda assim, salários encolheram e a estabilidade se tornou rara, indicando que números agregados não contam toda a história da renda no Brasil.
Ocupação e desemprego: o que realmente está sendo medido?
Para o IBGE, basta uma hora de trabalho na semana de referência para alguém ser considerado “ocupado”. Isso inclui desde o cirurgião com carteira assinada até o engenheiro que faz freelances sem CNPJ. Já “desempregado” é quem procura trabalho e não encontra. Em 2023, o país somava 29,9 milhões de trabalhadores por conta própria; só um terço tinha CNPJ. Ou seja, boa parte da estatística que reduz o desemprego é sustentada por postos sem direitos ou previsibilidade financeira.
Apenas um em cada dez formados atua na área de diploma
Levantamento da empresa Córtex mostra que 90 % dos profissionais com ensino superior trabalham fora da área de formação. Embora graduados tenham 56 % mais chances de estarem empregados e recebam, em média, o triplo do salário de quem concluiu apenas o ensino médio, a rotina é marcada por rendas múltiplas. Médicos complementam ganhos com teleconsulta particular; advogados conciliam causas próprias com consultorias; engenheiros assumem projetos pontuais como autônomos. A economia de bico avança sobre setores antes vistos como bastiões da classe média.
Poder de compra em declínio: um sinal de alerta
Salário de classe média no Brasil já não compra o mesmo que comprava. O IPEA calcula queda expressiva na remuneração da iniciativa privada nas últimas três décadas; entre servidores públicos, a perda real é ainda maior, sufocada por longos períodos sem reajuste. Profissões da saúde e do direito, tradicionalmente associadas a segurança financeira, agora enfrentam negociações por pisos salariais e protestos por melhores condições — indicadores claros de erosão do antigo pacto de estabilidade.
O que está por trás dessa mudança?
- Inflação persistente — Mesmo moderada, corrói salário mês a mês, enquanto reajustes não acompanham o custo de vida.
- Novos modelos de trabalho — Tecnologias ampliam terceirização e contratos por projeto, substituindo vínculos tradicionais.
- Desigualdades estruturais — Mulheres e pessoas negras sofrem informalidade maior e menores salários, prova de que ensino superior, por si só, não garante equidade.
Para onde vamos daqui?
Nos Estados Unidos, o avanço de empregos sem benefícios e da “gig economy” encolheu a classe média. Na Europa, países como Alemanha e Canadá começaram a regular plataformas digitais, criar seguros para autônomos e investir em qualificação contínua. O Brasil observa cenário mais agudo: inflação alta combinada a rendimentos estagnados exige respostas que vão além de contar vagas ocupadas. Sem políticas que protejam renda e formalização, o diploma pode deixar de ser passaporte para estabilidade — e carreiras tradicionais continuarão a flertar com a informalidade.