No feed de qualquer rede social — seja o “For You” do TikTok, o Explorar do Instagram ou o Short de Kwai — conteúdos que flertam com a sensualidade estão por toda parte. Do “Get ready with me” à culinária sugestiva, o chamado soft porn utiliza insinuações visuais para driblar as regras de moderação e alcançar principalmente crianças e adolescentes.
Afinal, o que é soft porn?
Literalmente “pornô leve”, o soft porn não mostra cenas explícitas, mas evoca sensualidade por meio de enquadramentos, objetificação de partes do corpo e contextos insinuantes. Tendências de moda e maquiagem — como os vídeos de “arrume-se comigo” — passaram a incluir mais cenas de nudez parcial, enquanto receitas de cozinha são filmadas com ênfase em movimentos e objetos que aludem ao erotismo.
Plataformas como Instagram, TikTok e Kwai encontram dificuldades para distinguir arte de provocação: um mamilo feminino pode ser enquadrado como “artístico”, enquanto um vídeo de pepino sugestivo não. Essa brecha é explorada para manter altos índices de engajamento sem violar formalmente as políticas de nudez.
Dados sobre nudez, corpo e soft porn
Em levantamento da Algorithm Watch, descobriu‑se que postagens com mulheres de biquíni têm 54% mais chance de aparecer na timeline do que imagens de paisagens — que, por sua vez, são 60% menos promovidas. No TikTok, a hashtag #tiktokhots acumula mais de 8 bilhões de visualizações, e #tiktok+18 reúne trechos de lives com conteúdo altamente sugestivo. No Kwai, a exibição de menores em vídeos sexualizados motivou o Ministério Público Federal a abrir inquérito civil em 18 de janeiro de 2024.
A produção em massa
Grande parte desse conteúdo é produzido por meninas e jovens mulheres buscando visibilidade. Em 2020, o TikTok faturou mais de US$ 10 bilhões em marketing, boa parte decorrente de tendências virais. O resultado: corpos femininos expostos tornam‑se mercadoria, enquanto ferramentas de denúncia e proteção continuam insuficientes frente a ataques misóginos e abusos online.
Impactos no desenvolvimento infantil
Do ponto de vista neurocientífico, a exposição precoce a estímulos sexualizados pode confundir a criança sobre limites entre público e privado. Além disso, o reforço de que “corpo exposto = aprovação” cria um circuito de recompensa que liga autoestima à validação digital, distorcendo valores e autoimagem em formação.
Soft porn sequestra símbolos da cultura pop
Nem personagens de anime escapam: a hashtag #animegirls no Kwai revela que ícones originalmente pensados para crianças são frequentemente retrabalhados em contextos sexualizados, corroendo seu potencial educativo e transformando‐os em conteúdo adulto.
Cada rede adota estratégias diferentes. O Instagram endureceu critérios de nudez, mas ainda debate distinções entre contas adultas e teen; o TikTok concentra esforços em moderar “desafios” de corpo e imagem; já o Kwai enfrenta maior pressão judicial devido à quantidade de denúncias envolvendo menores.
Proteção sem cercear
O desafio é proteger crianças e adolescentes sem restringir a expressão de adultos. Para isso, especialistas apontam caminhos como:
- Educação digital desde cedo, ensinando a identificar insinuações e a usar ferramentas de denúncia;
- Políticas mais claras de diferenciação de público (faixas etárias) e moderação algorítmica transparente;
- Ferramentas parentais que limitem acesso a conteúdos sensitivos sem bloquear redes inteiras.
Garantir um ambiente online mais seguro exige ações coordenadas de plataformas, poder público e famílias — antes que o primeiro contato com o soft porn acabe virando, para muitas crianças, a única referência de sexualidade e privacidade.