Quanto custa ser uma mãe solo no Brasil?

Os dados nos dão uma pista: em sua grande maioria, mulheres, chefes de família, com renda de até três salários mínimos e sem auxílio dos pais dessas crianças.

Você já parou para pensar em quanto custa criar um filho no Brasil em 2024? Ou, então, em quanto custa fazer isso praticamente sozinha? Alimentação, moradia, creche, saúde, lazer, cultura, rede de apoio que às vezes também é paga… Quem arca com a conta das despesas da parentalidade, afinal? 

Eu desafio qualquer homem a criar um filho com R$ 500 de pensão nesta cidade. Elisângela Costa é mãe solo de duas crianças e vive em Osasco, zona oeste de São Paulo. Com 32 anos, a mãe de Larissa (5) e Lucas (12) trabalha como auxiliar de contas em uma concessionária de empréstimos, ganha cerca de R$ 2.000 por mês e banca todas as contas da casa, integralmente sozinha, desde 2019.

Elisângela é espelho de uma estatística padrão. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE, até 2022 50,8% dos 75 milhões de domicílios no Brasil eram chefiados por mulheres, totalizando 38,1 milhões de famílias. Em contrapartida, 36,9 milhões de lares tinham liderança masculina. No terceiro trimestre do mesmo ano, as mulheres negras eram as chefes em 21,5 milhões de domicílios (56,5%), enquanto as mulheres não negras lideravam 16,6 milhões de famílias (43,5%).

Um dos fatores de agravamento que mães solo que são chefes de família enfrentam é o abandono sistemático por parte dos pais das crianças – o que dificulta o pedido por pensões pós separação, as decisões judiciais ou muitas vezes até mesmo a localização desses homens por parte da justiça. 

Os filhos de Elisângela, por exemplo, não possuem o nome dos pais no registro e apenas um deles, o mais velho, recebe pensão alimentícia de maneira formal. “Depois de muita luta na justiça, de conseguir provar que, apesar de não ter sido casada e nem ter tido união estável com ele, ele era sim pai do meu filho. Conseguimos R$ 500 de pensão por mês”

Levantamentos da Contente junto ao Portal da Transparência do Registro Civil demonstram que, de janeiro de 2023 a junho de 2024, o número de crianças com filiação incompleta, ou seja, com pais ausentes na documentação, chegou a 242.103 mil das 3.619.788 nascidas. As regiões Nordeste e Sudeste, respectivamente, são as que registram as taxas mais altas de pais ausentes. Os dados nos dão uma pista: em sua grande maioria, mulheres, chefes de família, com renda de até três salários mínimos e sem auxílio dos pais dessas crianças.

 

O registro e o reconhecimento da paternidade não são tudo. Tem muito caminho a ser percorrido da decisão do divórcio, ou do entendimento da maternidade solo, que muitas vezes não vem acompanhada desse passo, até a conquista de auxílio financeiro ou repartição de custos com o pai da criança. Dados do Painel de Estatísticas Processuais Cíveis da Infância e Juventude, do Conselho Nacional de Justiça, apontam que pelo menos 261.502 processos do tipo “ação de alimentos de infância e juventude” tramitavam nos tribunais brasileiros até 2023. 

 

Depois da entrada na tramitação, a média de tempo até a chamada execução do processo, que compreende a definição dos valores e pagamento das pensões, chega a até 763 dias – cerca de dois anos. Até lá, como ficam essas mães e essas crianças?

Uma conversa sobre contas


Quando falamos de contas, por exemplo, os valores pagos no Brasil costumam corresponder a 20% da renda da parte que não é responsável integralmente pela criança. Considerando que a renda média habitual real (termo econômico que se refere ao valor médio dos rendimentos recebidos por indivíduos ou famílias, ajustado pela inflação, durante um período específico) do brasileiro foi em média R$ 2.924 no último trimestre de 2023, de acordo com a Pnad, o pagamento de uma pensão alimentícia para alguém que ganha esse valor seria de R$ 584,80, o que não cobre nem ⅓ dos gastos básicos na grande maioria das capitais do país. 

“Eu não pago escola nem plano de saúde para os meus filhos, o que me tira o sono noite e dia, mas como eu vou fazer tudo isso ganhando o que recebo? Moradia em Osasco ainda é caro. A pensão do meu filho, por exemplo, vai toda para o aluguel e eu ainda completo”, relata Elisângela.

Para Amanda Dias, educadora financeira e fundadora do hub Grana Preta (@granapretaoficial), os gastos de uma mãe solo seguem um tipo de “ordem” de prioridades que impacta significativamente as finanças. “Os principais custos financeiros de uma mãe solo no Brasil são variados e bastante altos. Moradia é um dos maiores gastos, já que ela precisa cobrir o aluguel ou financiamento praticamente sozinha. Alimentação é outro custo importante, garantindo uma dieta saudável para os filhos. Educação, incluindo mensalidades, material escolar e transporte, também pesa no orçamento. E não podemos esquecer dos cuidados com a saúde, tanto com planos de saúde quanto com medicamentos e consultas.”

Os custos com educação e moradia, por exemplo, ainda que a gente considere escolas públicas – como no caso dos filhos de Elisângela – são gastos considerados de longo e longuíssimo prazos, ou seja, alastram-se pelos anos iniciais da criança até o final da adolescência. “Para mães solo, os custos de cuidados infantis, como creche e babá, são geralmente pontos de endividamento, porque elas não têm com quem dividir esses gastos. Em famílias com dois adultos, é comum que haja um revezamento ou divisão dessas responsabilidades, o que pode reduzir os custos. Além disso, mães solo frequentemente precisam de cuidados infantis mais flexíveis e caros, que cubram toda a jornada de trabalho, o que pode pesar ainda mais no orçamento”, completa Amanda.

Na ponta do lápis: creche

Para Ana Leoni, que trabalha há quase três décadas no mercado financeiro, além de ser co-fundadora e sócia da BEM Educação e colunista do Valor Investe, existe uma linha do tempo quando falamos de mães e gastos.

A especialista ressalta que logo no início os custos estão muito mais relacionados a essa rede de cuidado, seja ter uma pessoa que possa ajudar nos cuidados nos primeiros meses, sejam aqueles custos mais operacionais com fraldas, médicos, materiais de higiene. “Depois, o custo maior passa a ser de educação, isso porque no Brasil a educação privada acaba sendo, em alguns casos, não privilégio, mas uma necessidade, principalmente quando a gente está falando da educação infantil. E a educação é muito cara, se você comparar, por exemplo, com a Argentina ou com o Chile, que tem níveis de educação maiores, melhores do que o Brasil, e é muito mais acessível”, destaca. 

O acesso a creches é uma questão crítica para mães solo no Brasil. A incapacidade de encontrar um local seguro e acessível para deixar seus filhos pequenos impacta diretamente sua participação no mercado de trabalho, seu bem-estar e, consequentemente, a economia familiar.

Isso também faz parte da vivência de Elisângela. “Eu rodei toda a zona oeste atrás de creche para minha filha mais nova. Na pandemia, então, que tudo fechou, era impossível encontrar. Ela ficou 2 anos numa creche particular porque o avô conseguiu pagar. Esse ano, entrou atrasada na escolinha, só quando abriu vaga, já estava cogitando mudar de cidade.”

No Brasil, apenas 40% das crianças de 0 a 3 anos frequentam creches. Isso significa que a maioria das crianças nessa faixa etária não está matriculada em instituições que poderiam proporcionar cuidados e educação adequados durante o dia. Para as mães solo, essa estatística é particularmente preocupante, pois a falta de acesso a creches dificulta ainda mais a conciliação entre a vida profissional e as responsabilidades maternas.

Entre os 60% de crianças que não frequentam creches, 20% enfrentam dificuldades diretas de acesso, ou seja, não existem vagas suficientes, transportes para chegar até a unidade escolar, políticas de incentivo à permanência etc. Para mães solo, que muitas vezes possuem recursos limitados e pouca rede de apoio, essas barreiras podem ser intransponíveis. A logística de deslocar-se até uma creche distante, combinada com a necessidade de cumprir horários de trabalho rigorosos, agrava a situação.

Os dados da Pnad contínua de 2022 também revelam a discrepância por unidade da federação. Estados mais ricos, como São Paulo, têm uma taxa de frequência de 54%, enquanto estados como o Amapá registram apenas 8% de frequência escolar de crianças nesta faixa etária. 

A renda é um fator determinante no acesso às creches. Entre os 20% mais pobres, apenas 31% das crianças frequentam creches, comparado a 56% entre os 20% mais ricos. Mães solo, que frequentemente estão entre as faixas de renda mais baixas, são as mais afetadas. A dificuldade de acesso é maior nas famílias de baixa renda, onde 28% das crianças não frequentam creches por falta de vagas ou instituições acessíveis.

A cidade de São Paulo, apesar de enfrentar diversos desafios, possui a menor lista de espera por vagas em creches no Brasil, com menos de dez mil crianças na fila. Entre 2018 e 2019, a Prefeitura conseguiu reduzir essa lista em 50,9%, alcançando o menor número histórico de espera, com 9.670 crianças aguardando por uma vaga.

Em um levantamento simples, a Contente apurou que na cidade os valores de creches particulares podem chegar a R$ 1.600 para as unidades mais populares e até R$ 800 para berçários.

Nana Lima, Diretora da Think Olga e Think Eva, hubs para a promoção da equidade de gênero por meio da comunicação e educação, comenta o cenário. 

 “A gente entende que a creche é indispensável, mas precisa ser pensada em horários que permitam a essa mãe que está sozinha estudar, trabalhar, buscar uma capacitação. Ter políticas que colaborem com a profissionalização dessas mães é essencial. Outras ações necessárias, que envolvem tanto políticas públicas quanto o setor privado, estão ligadas a oportunidades de trabalho e equiparação salarial.”

Na ponta do lápis: alimentação


“A gente precisa resistir ao ímpeto do julgamento sempre que vemos uma criança com um industrializado na mão na escola, no consultório, na rua. Não julgar não significa concordar ou aceitar que a base de alimentação de metade da população infantil brasileira é feita de açúcar e gordura hidrogenada, mas entender o que de fato há por trás disso. Se uma bolacha recheada é mais barata do que 99% dos itens da cesta básica, existe um incentivo implícito para aquela mãe, para aquele filho.” A fala é de Geyza Costa, nutróloga que atende em Natal, no Rio Grande do Norte, onde o aumento da cesta básica em 2024 foi significativo.

O valor do conjunto dos alimentos básicos aumentou em 10 das 17 capitais onde o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) realiza mensalmente a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos. Entre março e abril de 2024, as elevações mais significativas ocorreram no Nordeste, com destaque para Fortaleza (7,76%), João Pessoa (5,40%), Aracaju (4,84%), Natal (4,44%), Recife (4,24%) e Salvador (3,22%). Em contrapartida, as reduções mais expressivas foram observadas em Brasília (-2,66%), Rio de Janeiro (-1,37%) e Florianópolis (-1,22%).

São Paulo foi a capital onde o conjunto dos alimentos básicos apresentou o maior custo, atingindo R$ 822,84. Outras capitais com custos elevados incluíram Rio de Janeiro (R$ 801,15), Florianópolis (R$ 781,53) e Porto Alegre (R$ 775,63).

Mesmo entre as capitais em que a cesta básica é considerada baixa para os padrões nacionais, a porcentagem de comprometimento da renda com alimentação pode corresponder a quase 50% de um salário mínimo, por exemplo, que é justamente o que a grande maioria das chefes de família no Brasil recebem formalmente. 

“Comprometendo metade do salário, a depender da quantidade de filhos, essa família não vai conseguir toda a variedade nutricional necessária para ter uma alimentação adequada durante o mês todo. É nas sobras que entra o ultraprocessado: não deu pra fechar a proteína do mês? Pega uma fritura derivada de carne ou frango. Itens como farinha ou frutas acabaram? Substitui por biscoitos e bolachas porque, além de mais práticos, ganham o coração das crianças” explica a nutróloga.

Salário mínimo necessário

Com base na cesta mais cara, que em abril de 2024 foi a de São Paulo, e considerando a determinação constitucional de que o salário mínimo deve ser suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e sua família com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência, o Dieese estima mensalmente o valor do salário mínimo necessário. Em abril de 2024, esse valor foi estimado em R$ 6.912,69, ou quase cinco vezes o salário mínimo reajustado, no valor de R$ 1.412. 

Uma trabalhadora de São Paulo, remunerada pelo salário mínimo de R$ 1.412, precisou trabalhar 128 horas e 12 minutos para adquirir a cesta básica, tempo maior do que em março, quando necessitou de 126 horas e 43 minutos. Considerando o salário mínimo líquido, após o desconto de 7,5% da Previdência Social, o trabalhador de São Paulo comprometeu, em abril de 2024, 63% da remuneração para adquirir os produtos da cesta básica, o que é suficiente para alimentar um adulto durante um mês. 

Quem consegue ter babá? Quando o celular vira babysitter


A conta do “quem cuida do meu filho enquanto eu trabalho” também não entra na grande maioria dos acordos financeiros. Existe um custo operacional, de atenção e de logística que, uma vez pago, fica impossível de ser custeado pela maior parte das mães solo no Brasil. Nesse contexto, recorrer à família – se for possível – é a única saída. 

Mesmo para Elisângela, que pôde contar com a ajuda da mãe idosa na rotina com os filhos, foi um desafio convencer a família de que as crianças, mesmo “maiores” e com escola, ainda precisavam de supervisão de um adulto. “É surreal, mas passou dos 5 anos as pessoas enxergam eles como adultos. Quando eu descobri que ia ser mãe solo, sinto que demorou para que todo mundo entendesse que alguém ia precisar ficar com os meus filhos para que eu fosse trabalhar. Minha filha não existe só antes das 8h quando eu me arrumo para sair para trabalhar e volta a existir só depois das 19h, quando eu chego em casa. Ela precisa de alguém o tempo todo: para deixar na escola, para buscar, para fazer tarefa. E o irmão mais novo ajuda, mas não pode e nem deve deixar de ser criança também.”

Mas e se essa mãe não tiver uma rede de apoio familiar para ajudar? O custo de se ter uma babá no Brasil pode chegar a até R$ 3.000 em grandes centros urbanos. 

A psicopedagoga Marileide Ziza explica como as telas entram em um contexto de babysitter às avessas.

“O que a gente vê nas escolas, no consultório, nos estudos em psicopedagogia é que as telas não são a coisa que as mães dão para os filhos simplesmente porque não querem cuidar deles. Elas são alternativas (que não são positivas, mas são acessíveis) para os espaços de tempo em que uma mãe está com o filho mas precisa dar conta de outras tantas demandas em casa.” 

A especialista ainda faz uma distinção entre parentalidade distraída, fenômeno em que os pais, frequentemente absorvidos por dispositivos eletrônicos e outras distrações modernas, acabam não oferecendo a atenção plena necessária aos seus filhos, e o que chama de “parentalidade desassistida”.

Parentalidade distraída é quando os pais não conseguem focar atenção nos filhos e na criação deles por conta do uso excessivo de telas, um comportamento que é passado por mimetismo para as crianças. Mas existe também o que chamo de parentalidade desassistida, que é quando essa mesma mãe, sobrecarregada por duplas e triplas jornadas, desassistida de creches, rede de apoio, possibilidade de pagar babá e sem contato com terceiros espaços de socialização para a sua criança, encontra nas telas uma chupeta do mundo moderno. Ambos os problemas afetam negativamente as crianças, mas precisamos entender a origem diferente de cada um deles”, completa.

A psicopedagoga explica que o celular com a musiquinha do Youtube, o tablet com o joguinho e esses outras artifícios, que são sim maléficos para o desenvolvimento da criança, agem como uma espécie de baby sitter às avessas: “Custo baixo, fisga a atenção por longos períodos de tempo, embala o sono e não exige que os pais observem cada passo da criança porque, em tese, não oferecem aquele perigo físico das brincadeiras do mundo real”, completa.

“Numa maratona financeira, as mulheres largam no pelotão de trás”

Não existe coincidência no fato de que mulheres vivem uma realidade de mobilidade econômica descendente quando criam filhos sozinhas. Segundo estudos da pesquisadora americana Lenore Weitzman, mesmo em países como o Estados Unidos, onde a renda per capita é maior entre homens e mulheres adultos, o padrão de vida dos homens muitas vezes melhora com o divórcio, com um aumento de 42% na renda logo no primeiro ano. As mulheres, por sua vez, costumam se virar com 29% a 39% da renda de antes, tendo um padrão de qualidade de vida diminuído em até 73%.

No Brasil, a gente vê uma dinâmica muito parecida. “Hoje, 65% das mulheres com mais de 45 anos não têm nenhuma reserva financeira. É como se numa maratona financeira as mulheres com filhos sempre largassem no pelotão de trás”, comenta a especialista Ana Leoni. 

Isso acontece, dentre muitos fatores, porque a renda das mães solo no Brasil é 100% ativa, ou seja, fruto do trabalho principal delas.  Isso deixa a mulher numa situação de bastante vulnerabilidade. “Mais do que pensar em ter várias fontes de renda, o que é ótimo, principalmente quando se tem uma situação financeira que precisa ser resolvida, é importante conseguir construir um colchão financeiro para dar mais tranquilidade, e para que desse colchão financeiro venha a renda complementar de que a mulher precisa. Isso eu acho que é algo que precisa ser perseguido”, completa Ana.

Jana Gomes, consultora de planejamento financeiro, adiciona uma camada de complexidade nessa conta: os empregos irregulares.

“A dupla, a tripla jornada podem levar a um ciclo de empregos irregulares, idas e voltas ao mercado de trabalho. A sociedade penaliza as mulheres que vivem a maternidade. Esse cenário torna difícil o aumento da capacidade econômica, de juntar dinheiro, de ter planos para o futuro. Esses desafios incluem a necessidade de equilibrar tempo e energia entre o trabalho remunerado e os cuidados não remunerados, enfrentar discriminações e lidar com a falta de suportes social e financeiro.” 

 

A especialista também destaca que a inserção das mulheres no mercado de trabalho e do dinheiro é relativamente recente no nosso tempo histórico. Por isso, muitas mulheres ainda se sentem inseguras em relação às finanças, frequentemente delegando decisões financeiras importantes aos parceiros (vamos alugar ou financiar? Vamos investir? Se sim, onde?) e focando nas finanças domésticas (contas de água, luz, aluguel, escola das crianças, mercado etc). 

Com essa distinção em quem pensa no dinheiro a curto prazo e quem planeja a vida financeira da família, quando um rompimento do relacionamento acontece, por exemplo, a mulher só tem noção do quanto custam os gastos da casa, mas não necessariamente de como pensar e planejar o futuro. “Curiosamente, isso pode ocorrer mesmo em situações onde a maior parte da renda familiar provém do trabalho da mulher”, ressalta Jana.

A punição das que “ousaram” romper com um ciclo


A insegurança financeira, o medo do endividamento e as punições que se configuram em forma de falta de apoio e auxílio (emocional e financeiro) ainda são as maiores razões pelas quais mulheres repensam a decisão do divórcio. Helaine Cardoso,  advogada da família, relata o dia a dia dos escritórios que cuidam desse tipo de processo.

“É ilusório pensar que todo processo de divórcio é 50/50, metade dos dias na minha casa e metade na sua… Boa parte dos processos ainda é litigioso, mas não deveria ser impeditivo para a separação. Do contrário, a gente precisa fazer um tamanho trabalho de equiparação social, a ponto de que o medo não seja sequer uma carta na mesa do divórcio. O que nos falta são mecanismos de apoio para essas mulheres”, acrescenta a advogada. 

Existe um “e se…” agregado às decisões de mulheres que resolvem se divorciar e não encontram no ex-parceiro de fato um parceiro. Elas pensam “e se eu precisar trocar a escola das crianças por uma mais barata?” , “e se a nossa qualidade de vida cair?”, “e se eu não conseguir amparar todas as dívidas?”. 

Para a psicóloga Alyne Siqueira, especialista em maternidade, essa também é uma grande fonte de adoecimento das mães. “Dúvidas e dívidas são as bases da insegurança econômica e da instabilidade emocional da nossa população. Imagine quando você é mãe?”

A psicóloga ainda relata que existe um tipo de “punição” que é estrutural, familiar e socialmente aceita para mulheres que decidem se divorciar ou que dão-se conta de que estão em uma maternidade solo mesmo estando em um relacionamento. 

“O mercado de trabalho pune mães não as contratando ou colocando-as em funções secundárias. As famílias muitas vezes punem mães porque nutrem uma expectativa de casamentos ou uniões que precisam ‘durar a qualquer custo’. E nós, sociedade, temos uma baixa tolerância a ouvir as questões de maternidade de mulheres que percebem que estão sozinhas mesmo acompanhadas. Muitas vezes essa ausência pode ser sentida como uma forma de repressão e punição para aquela mulher que ‘ousou’ se separar, aumentando o desamparo e os riscos sociais e emocionais para essas mães e filhos”, completa a psicóloga.

A gente sabe que não existe uma receita para atenuar todos os impactos sociais de uma maternidade solo – mas sabemos que existem caminhos. Se é necessário uma aldeia inteira para criar uma criança, é imprescindível ter toda uma comunidade pensando em como viabilizar esse mundo para as suas mães também.

“Hoje, quando falamos em maternidade no Brasil, estamos falando principalmente de mães solo porque mais da metade delas não conta com um companheiro ou uma companheira para criar seus filhos. Só em 2023, foram mais de 100 mil crianças sem o nome do pai na certidão. E a situação é preocupante: 37% das mães solo estão fora do mercado de trabalho formal. Entre as muitas dificuldades que elas enfrentam, podemos destacar questões financeiras, endividamento, sobrecarga de trabalho e uma saúde mental fragilizada” completa Nana Lima

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COMPARTILHE:

Quer mais conteúdo?