“Por Deus”, “Por honra a Deus”, “Em nome do Senhor”. Se você ligar agora na TV Senado, assistir a um discurso na Câmara ou acompanhar programas eleitorais e os pronunciamentos de ex e atuais presidentes ou candidatos, vai perceber quantas vezes essas frases se repetem – na direita, principalmente, mas também na esquerda. Por que os “líderes políticos de Deus”, como a grande maioria dessas plataformas políticas se declaram, têm aumentado tanto?
A presença da linguagem do cristianismo na política não é uma mera coincidência. Nos últimos anos, o número de partidos e figuras políticas de denominação cristã tem crescido muito além da bancada evangélica. O que tem a ver não só com o aumento do número de evangélicos no Brasil, que se aproxima da superação do número de católicos, mas também com a estreita relação entre Estado e religião que tem se tornado cada vez mais simbiótica.
Fomos atrás de entender esse fenômeno com Anna Virginia Balloussier, jornalista e autora de O púlpito. Por trás de uma sociedade que se impõe cada vez mais religiosa e conservadora, existe uma tendência: um Estado ausente em direitos básicos do cidadão e um grupo político – independente da vertente religiosa – que enxerga nisso um projeto de poder.
Como começou esse movimento?
Embora muita gente relacione isso ao bolsonarismo, a influência de lideranças religiosas na política é bem mais antiga. Nos anos 1980, a criação da Frente Parlamentar Evangélica já mostrava como a religião podia ser um eixo central de poder. Essa influência se fortaleceu especialmente após a redemocratização. Para se ter uma ideia, em 2022, dados do TSE mostraram que, dos 181 deputados e 8 senadores da Frente Parlamentar Evangélica, 80% eram filiados a partidos diversos, desde o PL até o PT.
Além disso, partidos como o Republicanos, braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, passaram a ocupar espaços estratégicos. O cenário também reflete o aumento de candidatos de siglas que levam as palavras “cristão” ou “Deus” para suas plataformas eleitorais. Essa força política não emerge só de cima para baixo. Para muitos especialistas, ela é o resultado de décadas de trabalho de base em comunidades vulneráveis, onde igrejas não apenas pregam, mas oferecem serviços essenciais como auxílio jurídico, distribuição de alimentos e até mesmo acesso à educação.
Tudo bem religião ser um critério que você considera no seu candidato, mas não adianta considerar isso e ignorar:
- Falas de ódio contra outros grupos de pessoas;
- Associações dúbias e/ou corruptas;
- Falta de plano de governo/proposta;
- Atitudes que contribuem para a polarização e o retrocesso social.
Por que esse movimento parece maior do que nunca?
Um fator demográfico crucial é a ascensão evangélica no Brasil. Se as tendências atuais se mantiverem, até 2030 os evangélicos serão maioria, superando os católicos. Mas essa expansão não se dá apenas nos números. Como já citamos, as igrejas evangélicas têm uma presença marcante nas periferias brasileiras, atuando onde o Estado muitas vezes não chega e onde o discurso progressista não tem encontrado mais eco. Elas funcionam como espaços comunitários e políticos, ao mesmo tempo em que estreitam laços com setores estratégicos, como as forças de segurança, a mídia e o entretenimento. Programas de rádio, canais de televisão e até grandes festivais de música gospel ajudam a moldar uma narrativa hegemônica em torno dos valores evangélicos.
Existe um pânico envolvido?
O que está no subtexto desse movimento?
Será que esse crescimento é apenas sobre religião? Ou existe algo mais profundo em jogo? A resposta passa por um conceito pouco discutido: a Teologia dos Sete Montes. Esse movimento internacional, que ganhou força entre os evangélicos brasileiros, defende que cristãos devem ocupar as principais esferas de poder (educação, política, mídia, economia, família, religião e entretenimento) para instaurar um “reino de Deus” na Terra.
No Brasil, essa visão tem ressonância com uma nova onda de conservadorismo, que não é exclusividade da elite, mas permeia todas as classes sociais. Muitos veem nos “líderes de Deus” uma alternativa aos problemas que mais angustiam a população: corrupção, violência, desigualdade e a chamada “degeneração moral”. Esse movimento é alimentado por dois elementos que se retroalimentam. De um lado, o conservadorismo crescente da população, que rejeita mudanças culturais e sociais mais progressistas. De outro, a narrativa religiosa que posiciona a fé como a única solução para os dilemas nacionais. O resultado é uma simbiose que transforma figuras religiosas em ícones políticos e fortalece uma estrutura que não é apenas religiosa, mas também ideológica.
É preciso, sim, conversar com essa parcela da população — para além dos anos eleitorais
Quem são, afinal, os evangélicos no Brasil? Dados do IBGE mostram que a maioria é composta por pessoas pretas ou pardas, moradoras de periferias e favelas, que dependem do trabalho de base das igrejas para sobreviver. Para elas, a igreja não é apenas um espaço espiritual, mas também social e econômico. Ao contrário do senso comum, essas pessoas não são puramente “manipuladas” em massa. Elas acreditam, sim, nos ensinamentos religiosos, mas também vivem realidades que justificam sua adesão a valores conservadores. Se o progressismo quer dialogar com essa parcela da população, precisa fazer mais do que simplesmente disputar narrativas em anos eleitorais.
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